sábado, 23 de julho de 2011

Barco Negro

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:

São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.

David Mourão Ferreira


terça-feira, 19 de julho de 2011

Preguiça

Ando com uma enorme preguiça física e mental, como se estivesse dormente. Os dias passam e eu nem dou por eles, ou dou mas não lhes ligo, nem eles me ligam a mim. Não tarda estamos no Natal novamente, o verão passa  sem me dizer nada e o verão costumava falar comigo.
Estarei demasiado distraída a deixar passar os dias?
Preciso de um abanão, mas de um abanão bom, para me sentir Viva.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Nega-me

Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Palavra que desnudo

Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo

Mia Couto

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Assim só*

O nada espreguiça-se na minha alma,
o vazio destila-me os sentidos,
a insónia é uma flor por abrir
e as lágrimas esquivam-se
de me lamber o rosto insensível...

O negro que me veste
entranhou-se-me na mente
e a dormência estala 
numa cerimónia muda e sombria.
Tenho o entorpecimento em vez de pele
a envolver-me neste perecer lento...

Se nada está mal
porque não me sinto bem?
Se tenho o que quero
porque não rejubilo?

Ou será que não tenho?




* dedicado àquele que não podia ser mais meu gémeo do que se tivéssemos nascido no mesmo dia...
may the numbness that fills you run scared with the fire of your soul, big brother...


Filipa Epifânio

Voluntariado

Depois de muito pensar como ocupar os meus tempos livres e ao mesmo tempo ser útil, eis que me chega à ideia, porque não fazer voluntariado..
Até aqui tudo bem, pensando eu na minha santa ignorância que fosse relativamente simples de conseguir. Bastava querer...mas não...Vi um site na net, liguei e fui muito bem atendida, fui informada que havia um Banco Local de Voluntariado na minha zona (coisa que nem sabia que existia) e deram-me os contactos...
O pior é que, embora existam dois locais aqui na zona onde se pode praticar serviço voluntário (parece que só aceitam voluntários instituições devidamente inscritas,o que nem é mau de todo) , já há voluntários a mais.
Afinal a minha boa vontade fica por isso mesmo, só boa vontade.
Sinceramente não ficamos com esta noção quando vemos reportagens na Tv a dizer que há tantos velhinhos abandonados no hospital sem qualquer visita e outras situações semelhantes.
Fiquei frustrada, nem ajudar se consegue. Pelos vistos a boa vontade não chega.

domingo, 3 de julho de 2011

Tempo

Hoje estou como o tempo.
Não triste nem sombria, mas fria e ventosa.
Há dias assim, em que nos apetece tudo e nada..

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Nosce te ipsum

Tenho a alma a transbordar de mim!
Ouço as melodias que caem
como frutos maduros
da árvore que nasce da harmonia de um suspiro.

Quero conhecer os poros que em mim habitam.
Quero colorir o sorriso do meu corpo.
Quero fotografar as paisagens que em mim se desenham.
Quero debruçar-me sobre as metáforas do meu sentir.
Quero sobrevoar o ninho dos meus medos côncavos.
Quero beber dos meus silêncios que se enleiam nos lábios.
Quero deslindar a imagem do puzzle que em mim se forma.
Quero voltar-me do avesso para me olhar de frente.

Perdoem-me se me julgam egoísta,
Mas não quero morrer sem dar a volta a mim mesma…

Filipa Epifânio